Ainda ontem estive para colocar aqui uma entrada na qual me queixava de um nada oportuno bloqueio, que tinha vindo a resistir com virilidade semita a toda a ajuda humanitária que eu tentara enviar-lhe na forma de distracções, leituras variadas e díspares, e até mesmo o ocasional passeio à torreira do sol. Falava de jogos de consola que andava a jogar, de um projecto paralelo de escrita lúdica que andava a fazer com um amigo meu numa tentativa de reaver a inspiração, e do facto de estar a jogar D&D semanalmente, desta feita no papel de jogador.
Nada disso parecia estar a funcionar, e eu queixava-me um pouco mais do facto de as páginas estarem a avançar a passo de caracol, o calendário estar a avançar a passo gregoriano, e os KBs do documento «Allaryia7» estarem a crescer com o viço de uma palmeira-das-canárias plantada na Noruega. A coisa estava preta, portanto, e apesar de todos os conselhos e bitaites que eu já dera a quem me perguntara como lidar com o ocasional bloqueio de escritor ou falta de inspiração, eu próprio me via aflito e impotente diante do problema para o qual andara a oferecer soluções, qual pneumologista fumador ou endocrinologista com filhos obesos.
Felizmente – e mais por obra do acaso que por empreendedorismo literário meu, temo bem – tudo se resolveu hoje. Munido do meu fiel portátil e cheio de vontade de escrever pelo menos uma página, dirigi-me à biblioteca, um dos meus habituais refúgios quando as distracções da casa e do acesso fácil à Internet se fazem sentir em demasia, e lá esperei encontrar um canto sossegado para perder umas três horitas a olhar para o monitor. Debalde, pois não havia um único lugar livre, e a minha vontade foi voltar para casa e chafurdar na poça do meu desalento, conformado com mais um dia sem uma única página escrita.
Felizmente, os meus olhos cruzaram-se fortuitamente com o parapeito de uma sobreloja, no qual havia espaço para o portátil e para os meus braços. Encolhi-os, pousei o portátil na pedra fria e fiquei de pé a escrever, observado tanto pelas pessoas que se encontravam a ler no piso inferior, como pelas que passavam por mim ao subir as escadas, e o que é certo é que desbloqueei. Assim, do nada, sem qualquer aviso, tal como costuma acontecer nestes casos: seis páginas, de uma só assentada. E com o bónus acrescido de não ter passado mais uma tarde sentado.
Moral da história: sempre que se sentirem bloqueados de alguma forma, façam algo diferente. E por diferente não quero dizer vão passear em vez de escrever, ou vão jogar em vez de trabalhar: abandonem a vossa zona de conforto, façam algo de genuinamente diferente e inesperado. O segredo está em colocarmos a nossa mente perguiçosa numa situação à qual esta não está minimamente habituada, e as engrenagens começam logo a funcionar outra vez.