Novos Titãs: Choque de Titãs

Já nas bancas, o volume introdutório ideal para quem quer conhecer os Novos Titãs, um dos mais emblemáticos grupos de heróis da DC.

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Uma Titanomaquia Moderna

Filipe Faria

O companheiro do herói é um elemento comum da ficção literária, popularizado por figuras como Sancho Pança (D. Quixote) ou o Dr. Watson (Sherlock Holmes), e que serve habitualmente a função de contraponto da personagem principal, de elo em comum com a audiência, ou mesmo de alvo das fantasias vicárias da mesma. No meio da arte sequencial, a DC Comics foi pioneira na variante do companheiro adolescente, a de um jovem coadjuvante para o herói no qual os leitores se pudessem rever, tal como personificado na incontornável figura de Robin, o fiel ajudante que Batman adquiriu em Detective Comics #38 (1940).

O sucesso da parelha do Menino-Prodígio e do Cavaleiro das Trevas fez escola na Idade do Ouro dos comics, mas foi apenas na Idade da Prata que outros heróis proeminentes da DC como Aquaman, Arqueiro Verde, Flash e Mulher-Maravilha adquiriram os seus próprios companheiros: Aqualad, Speedy, Kid Flash e Moça-Maravilha, respectivamente. Uma vez aberto esse precedente, era uma questão de tempo até os jovens heróis se aventurarem juntos, o que acabou por acontecer três vezes entre 1964 e 1965 nos periódicos The Brave and the Bold e Showcase, num trio de aventuras escritas por Bob Haney e ilustradas por Bruno Premiani e Nick Cardy, que mereceram ao grupo de adolescentes o epíteto de «Jovens Titãs». Essas três audições foram bem recebidas e, em 1966, os cinco foram lançados no seu próprio Teen Titans, uma série cuja premissa girava em torno da assistência que os Titãs prestavam a adolescentes em apuros enquanto percorriam eles próprios o atribulado caminho para a idade adulta. Bob Haney permaneceu como argumentista e com ele a série adquiriu uma identidade muito própria através do uso do calão juvenil e do uso frequente de referências da cultura popular, além de abordar tópicos como tensões raciais nos EUA e a oposição à guerra do Vietname. O vigor jovial dos Titãs não bastou contudo para suster Teen Titans e a série acabou por ser cancelada em definitivo em 1978, sendo que os próprios heróis, agora praticamente jovens adultos, descartaram o conceito a que tinham dado corpo. Os Meninos-Prodígio e a Moça-Maravilha já não eram crianças, afinal de contas, e dessa forma como que deixavam para trás as «criancices» do passado ao seguirem para a próxima etapa do seu desenvolvimento pessoal.

Tudo indicava que os Titãs haviam sido abandonados enquanto ideia, mas em 1980, após uma década na qual a DC se vira em grandes dificuldades para dar resposta ao sucesso dos títulos da concorrência, deu-se uma reviravolta inesperada, quando Marv Wolfman e George Pérez apresentaram ao mundo os Novos Titãs nas páginas de DC Comics Presents #26. Nesta nova encarnação, os membros originais Robin, Moça-Maravilha e Kid Flash unem esforços com as novas personagens Ciborgue, Estelar e Mutano, guiados pela misteriosa Ravena com o intuito de combaterem uma ameaça demoníaca. The New Teen Titans foi lançado nesse mesmo ano e, contra todas as expectativas, tornou-se de longe no título de maior sucesso da DC (e frequentemente de toda a indústria) durante boa parte da década de 80. Um feito tanto mais surpreendente pelo facto de George Pérez, à época um artista em franca ascensão, ter concordado ilustrar estes Novos Titãs apenas como uma etapa que o levaria ao Olimpo da DC: a Liga da Justiça. O que aconteceu dificilmente poderia ter sido previsto, pois — numa curiosa inversão dos eventos da mitologia grega — estes «titãs» destronaram os «olímpios» da Liga da Justiça nas vendas e na aclamação da crítica, e definiram eles o domínio do Universo DC. Os ingredientes da fórmula de tamanho sucesso não podem ser enumerados com precisão (caso contrário, seria apenas uma questão de os repetir com resultados iguais, coisa que não tornou a acontecer), mas é fácil listar os factores que ajudaram a fazer dos Novos Titãs a série dos anos 80, a começar pela genuína paixão que Wolfman e Pérez sentiam não só pelas novas personagens que introduziram, mas também pelas que revitalizaram. Os dois elaboravam juntos o enredo de The New Teen Titans e cedo se tornaram também co-editores do título, o que lhes deu uma tremenda liberdade para contarem a história intemporal de um grupo de jovens a saírem de debaixo das sombras dos seus mentores e a afirmarem as suas próprias individualidades. Individualidades essas que tiveram tremenda tracção junto do público leitor, fosse através dos palimpsestos que eram os membros originais dos Titãs, que revelaram uma profundidade até então apenas aludida, ou através dos originais novatos que trouxeram toda uma nova cor ao grupo e às relações interpessoais entre os membros, criando uma expectativa quase telenovelesca antes do lançamento de cada novo número. O facto de se tratar de personagens jovens não impediu todavia que os enredos abordassem temas adultos, como foi o caso de um arco narrativo que lidou com o flagelo da droga e que teve seguimento num anúncio animado de prevenção às drogas na televisão. Mas mesmo as histórias que lidavam com tópicos mais prosaicos se destacavam das demais, tal como comprovado por algozes como a organização C.O.L.M.E.I.A. e o Culto do Sangue, que se tornaram parte do folclore da DC, ou inimigos com personalidades e motivações complexas como o Exterminador e a Irmandade do Mal. Em suma, tratava-se do equilíbrio entre aventuras a lidar com ameaças à escala global (e por vezes galáctica), e a exploração da condição humana através das relações entre, por exemplo, uma princesa alienígena exilada, uma proscrita extra-dimensional incapaz de dar vazão às suas emoções e um jovem atleta determinado a provar que é mais do que a soma das próteses cibernéticas que lhe salvaram a vida. Estes Titãs cativavam os leitores e tornaram-se num fenómeno que tomou de assalto o mundo dos comics dos anos 80, assumindo o papel de navio-almirante da DC Comics e elevando Wolfman e Pérez ao estatuto de super-estrelas. Por último, seria remisso da parte deste editorial não referir o papel que a arte de Pérez teve no sucesso dos Novos Titãs, com o seu traço magnificamente detalhado a distinguir fisicamente as personagens umas das outras mesmo quando não envergavam os seus fatos, a mestria da composição que fazia de cada painel uma peça a ser saboreada enquanto a página era montada pelo olhar errante do leitor, e o dinamismo explosivo das cenas de acção. Aliás, a partida de Pérez foi uma das causas para a titãmania perder vapor no final dos anos 80 (apesar de um último surto de popularidade no início da década de 90 com o culminar das sementes de intrigas plantadas dez anos antes), altura em que a chama incandescente já diminuíra claramente de intensidade.

Não foi senão no ano de 2003 que Geoff Johns decidiu pegar num grupo de jovens heróis (Superboy e os novos Kid Flash, Robin e Moça-Maravilha) e juntá-los aos agora veteranos Ciborgue, Estelar, Mutano e Ravena, que, numa quase poética inversão de papéis, se viram no papel de mentores de uma nova geração de campeões do Bem, à semelhança do que os primeiros Robin, Kid Flash e Moça-Maravilha com eles haviam feito. Choque de Titãs compila o primeiro arco narrativo destes «novos» Novos Titãs, que chocam não só com o legado dos seus «titânicos» predecessores, mas também com os «olímpios» da Liga da Justiça. Tal como já é seu apanágio, Johns pega nos componentes com provas dadas de uma franquia, moderniza-os, emparelha-os com novos elementos, descarta o peso em excesso e encaixa tudo na narrativa contemporânea do Universo DC — uma abordagem que resultou e que promoveu o regresso dos Titãs aos tops de vendas pela primeira vez em muitos anos, em parte graças à ajuda da série animada Teen Titans que foi emitida nesse período. Assim, e independentemente de o sucesso que os Titãs tiveram nos anos 80 vir ou não a ser replicado, não restam dúvidas de que estes jovens heróis da DC terão sempre um papel a desempenhar, por mais que não seja por incorporarem o truísmo de que o novo acaba sempre por substituir o velho. Num meio cíclico como o dos comics, isso levá-los-á invariavelmente a assumir o papel de agentes de transformação num meio essencialmente imutável, e as histórias daí resultantes não podem ser outra coisa que não intrigantes.