Cá se fazem, cá se pagam, de facto. Eu fora pouco ético, e o carma tratara de me dar cabo do esquema, condenando assim o projecto do Endurvakning às temidas águas de bacalhau de gaveta. Gorada que fora a possibilidade de ter uma proposta de editora para apresentar ao Samuel Santos, também ele deixou de poder investir mais tempo no projecto, o que era inteiramente compreensível. Mas não menos frustrante para mim enquanto contador de histórias, porque aquela era uma história na qual já tinha investido muito, e que queria mesmo contar. No fundo, lá bem no fundo, sabia que merecia o que me tinha acontecido, mas não me conseguia conformar.
A vida continuou, evidentemente. Tinha de acabar O Fado da Sombra, aquele que acabou por ser o volume mais complicado de escrever das Crónicas, e esse projecto ocupou boa parte dos dois anos que se seguiram. O Endurvakning passou assim para segundo plano, mas ficou-me atravessado e nunca me esqueci verdadeiramente dele, abrindo volta e meia o ficheiro para fazer uns ajustes na história, emendar umas partes da sinopse e ir alterando a grafia dos nomes como uma mãe extremosa que não consegue decidir o nome do filho por nascer.
Em 2009, já depois da publicação d‘O Fado da Sombra, tornei à Islândia, sem grandes ambições de um dia vir a publicar o Endurvakning, mas ainda cheio de ideias e dúvidas, que tratei de esclarecer com o meu velho amigo Jörmundur Ingi. Por essa altura, era algo que eu já fazia apenas por mera carolice e curiosidade académica, quase um exercício de ver até que ponto eu conseguia recontar os mitos nórdicos de forma a que estes se embutissem na história que eu em tempos quisera contar, mas que agora me satisfazia a apenas imaginar. Foi mais um encontro tremendamente edificante, e dessa vez até o registei em foto, quase como para servir de epitáfio para o meu projecto enquanto livro: “Endurvakning 2005-2009. A história que eu queria contar, mas que não o consegui porque fui um sacana, e da qual apenas restam exercícios de onanismo literário porque não o consigo esquecer”.
Bom, evidentemente que não imaginava as coisas nesses termos, mas a verdade é que investi bastante do meu tempo a elaborar a história apenas a nível conceptual, sem nunca mais tocar no argumento. O Endurvakning tornara-se como que naquele projecto que já não contamos vir a realizar, mas que continua a puxar por nós a nível criativo e que não conseguimos largar. E assim se passou mais um ano, durante o qual comecei também a preparar o Oblívio, que, como podem imaginar, viria a ocupar boa parte da minha vida até 2011. Ao fazê-lo, passei forçosamente por um período de reflexão e retrospectiva, tanto das personagens como de mim próprio, e o Endurvakning não foi esquecido, nem mesmo durante esse tempo. Muito pelo contrário, até porque a ele vinha sempre associado algo que crescera com o passar dos anos: um sentimento de culpa. Eu fora para lá de incorrecto com o Manuel Morgado, e aquilo que eu lhe fizera incomodava-me cada vez mais porque, ao contrário do que a leviandade com que o fiz possa dar a entender, eu não sou nada assim.
Falarei do resultado dessa minha introspecção na próxima entrada. Até lá, deixo-vos com mais uma das músicas que me inspirou durante esse período de 2009-2010, em que me debrucei sobre o Endurvakning; neste caso, uma montagem de Løyndomsriss e Heimta Thurs, duas músicas da banda norueguesa Wardruna, talvez conhecida daqueles que de entre vós vejam a série Vikings.