Resumindo a história: tinha começado em 2005 um projecto de BD com o Manuel Morgado, que não deu em nada e que, por culpa minha, em nada poderia dar, e que passou mais tempo na gaveta que o que é saudável para qualquer ideia com pés e cabeça. Anos mais tarde, pedi desculpa ao Manuel pela minha tremenda falha e ele, na sua benevolência, motivou-me a pegar novamente no projecto e concluir o argumento.
Fim?
Nem por isso. Ainda havia o ínfimo pormenor de publicar uma obra de BD em Portugal ou no estrangeiro, empreitada que nunca é de pouca monta. Mas uma conjunção de factores pôs na mesa a possibilidade de eu publicar o projecto em formato de romance pela Presença, o que serviria, não só para levar a bom porto uma história que, coitada, já há quase dez anos ansiava por ser contada, mas também como possível plataforma para reforçar o mérito do projecto numa futura adaptação. Conversei com o Manuel, que apoiou a ideia, e lancei-me então ao trabalho de reescrever o argumento em formato BD para a sempre mais detalhada e (espero) escorreita prosa de um romance.
Passei os últimos meses de 2014 nisso, a que consegui ainda conciliar mais uma viagem à Islândia para tirar uns últimos apontamentos, esclarecer novas dúvidas, reconstruir os passos da personagem principal da história e revisitar a sempre inspiradora terra do fogo e do gelo. Depois disso, foi uma questão de entrar na velocidade de cruzeiro em que tendo a entrar sempre que se aproxima o fim de algo que escrevo, e teclar uma vez mais a palavra que sempre me traz um misto de alívio e nostalgia.
Fim?
Ainda não. Isto porque, após apreciação, o livro foi considerado “complicado” por várias pessoas na minha editora; pessoas a que não tive a humildade de dar ouvidos no passado e a cujas palavras iria sem dúvida atentar desta feita. O título era mais assustador ainda que Allaryias e Karasthans, a estrutura ainda acusava muito da conversão de um argumento de BD e o registo, à falta de palavra melhor, era uma dor de cabeça para ler em certas partes. Aceitei todas as críticas, até porque tinha bem presente que, ainda que a nível subconsciente, provavelmente escrevera sob a assunção de que teria o suporte visual de desenhos. Isto, claro está, para além do registo algo rebuscado pelo qual já sou de qualquer forma conhecido/infame. O livro já não iria certamente sair na Feira do Livro de 2015, portanto.
De volta ao estirador, consegui desapegar-me ao título Endurvakning, cuja sombra pairara sobre o projecto durante dez anos, e fiquei-me pelo bem mais legível A Alvorada dos Deuses, que, para meu alívio, reuniu consenso imediato na Presença. O processo de reescrita foi um pouco mais moroso, e diversifiquei o meu lote de leitores beta para melhor poder apurar as falhas daquele que ia claramente ser o livro mais “diferente” que eu alguma vez escrevera («então e a Leopoldina?», perguntarão alguns, que eu ignorarei de forma ostensiva).
Felizmente, tudo correu pelo melhor, o livro foi aprovado e, ao cabo de uma odisseia de uma década – uma autêntica saga de ambição, crença e perdão que em tanto e a tantos níveis se assemelhou à história que ambicionava contar – Endurvakning, o Renascimento, renasceria na forma da Alvorada dos Deuses. Um fim que se quer como um começo, pois o projecto de BD ainda é para realizar – por mais que não seja, para poderem ver a arte extraordinária do Manuel – mas que, por si só já me deixa imensamente satisfeito e aliviado.
Fim?
Só por enquanto. E, para assinalar este fim que não o é verdadeiramente, nada como o vazio hiante de Ginnungagap, o princípio de todas as coisas na mitologia nórdica, tal como cantado por Therion, uma das minhas bandas favoritas.