Esta semana, estive na Escola Básica de Vale de Milhaços com o Rafael Loureiro, no âmbito da nossa iniciativa conjunta para levarmos jovens a lerem os nossos livros incentivarmos o hábito de leitura nos mais jovens. Foram duas sessões muito produtivas, e aproveito aqui para agradecer o convite e simpatia dos responsáveis e participantes, mas o que nelas mais me marcou foi algo que nunca me tinha acontecido nestes mais de dez anos que levo de palestras, colóquios e sessões. O professor Renato Dias (bem haja) pegou no Marés Negras, postou-se diante dos alunos e leu o prólogo, mas não se ficou por aí – encenou a narrativa para os alunos. Deu emoção às linhas de diálogo. Reproduziu os movimentos descritos na acção. Pronunciou bem os nomes. Em suma, pegou em mim pelo cachaço, com toda a raiva deprimida de um leitor de Allaryia que quer saber como vai ser o segundo ciclo das Crónicas, e levou-me numa autêntica viagem ao passado, o que apenas exacerbou as saudades que tenho de um mundo que, bem vistas as coisas, é o meu.
Não foi um despertar. Não dei comigo a desenterrar os velhos apontamentos para começar já a escrever o próximo ciclo das Crónicas de Allaryia, porque ainda há pelo menos duas coisas que gostaria de fazer antes de regressar em força a um mundo que ocupou quinze anos da minha vida, e do qual ainda estou de férias. O que fez, isso sim, foi recordar-me do quão especiais as Crónicas são para mim e do que representaram para muitos leitores, e que, ainda que eu actualmente seja capaz de escrever algo melhor, vou ter de suar muito e estar muito inspirado para fazer algo capaz de se equiparar à sua dimensão narrativa e paixão desbridada. O que tem tanto de intimidante como de estimulante, devo dizer, não porque eu hoje escreva com menos paixão, mas porque não sou capaz de reproduzir o Filipe de há dez anos. O que significa que, quando me lançar a esse desafio, terei só de ser melhor. E agradeço ao professor Renato Dias o ter-me feito perceber isso antecipadamente, porque ao menos assim terei tempo para me preparar devidamente.
Quanto às tais duas outras coisas que eu gostaria de fazer antes de regressar a Allaryia, uma delas é um projecto que já comecei a desenvolver, algo nos moldes de ficção histórica d’A Alvorada dos Deuses (continuo muito intrigado por ouvir as vossas opiniões na vindoura Feira do Livro), para ser contado num único livro, mas com margem de manobra para eventuais sequelas no futuro. A outra é a conclusão do Felizes Viveram Uma Vez. Não tratei já dela porque o Alvorada dos Deuses era uma pedra criativa no meu sapato produtivo, que, após dez anos, eu tinha a todo o custo de descalçar, mas agora posso começar a prepará-la como deve ser. Infelizmente, os leitores foram inequívocos, e a série não foi bem recebida, por isso decidi “comprimir” os restantes volumes que tinha planeados num único volume mais gordinho, tanto porque desejo fazê-lo e porque me dará prazer escrevê-lo, como para não deixar pendurados os leitores que deram uma hipótese à série e gostaram do que leram.
E é isso. Portanto, mãos à obra para mim e boas leituras a todos.