Assim definia o meu pai os meus escritos, desde a minha mais tenra idade. “Porrada” e “guerras”, dito com aquele seu ‘r’ vibrante gutural. Certa vez, quando a minha mãe leu um conto que escrevi acerca do Pé-Grande, comentou que era só “pontapés, murros e sangue”. E lembro-me perfeitamente de ter ido ver O Anel dos Nibelungos com os meus pais e o meu irmão e de só ter ficado interessado quando os actores começaram a lutar em palco com as espadas (em minha defesa, ainda não tinha idade para saber apreciar ópera, e o próprio porteiro disse “coitados…” quando me viu e ao meu irmão).
Por isso, sim, é justo dizer que gosto de “porrada” nas minhas histórias. E também gosto de ler boas cenas de acção, razão pela qual nunca achei os filmes d‘O Senhor dos Anéis tão inferiores assim em relação aos livros, só porque eles colmatavam aquela que, a meu ver, era a maior lacuna de Tolkien: as cenas de combate. Todas as batalhas e escaramuças eram atalhadas ou despachadas, e invariavelmente resolvidas pela chegada de reforços, o que sempre me sabia a pouco. Foi também por esse motivo que tanto gostei dos livros de R.A. Salvatore em miúdo, porque, se havia coisa que neles não faltava, era cenas de acção e combates bem descritos, embora frequentemente com pormenores quase caricatos de quem estava a imaginar um combate numa sessão de D&D, em que o bafo do dragão cobre uma determinada área. Quando decidi tentar eu a minha sorte, e apesar de se tratar de fantasia e de saber que me permitiria um ou outro exagero, queria escrever com um mínimo de conhecimento de causa e não recorrer às típicas espadeiradas à Hollywood, razão pela qual me dediquei a vários anos de pesquisa, alguma prática superficial, e muita leitura.
Um dos muitos vídeos que guardei
Aliás, foi a busca pela terminologia de combate apropriada o principal impulsionador da minha criação de um índice de palavras obscuras ou caídas em desuso, que por sua vez deu origem à rubrica RCPalavras. O português não é uma língua nada agressiva, e o fluir das suas frases não se presta tão bem assim a descrições de combate, um dos motivos pelos quais a minha escrita foi inicialmente (e com razão) apelidada de algo anglo-saxónica. Mas julgo entretanto ter encontrado o meu ritmo, e, resolvidas que estavam as questões da expressão e da visualização, resta hoje como sempre restou a questão da praticabilidade dos movimentos e golpes que imagino. E não, embora tenha por vezes recorrido ao pretexto de “ah, e tal, é fantasia”, não uso isso como desculpa para tudo, pelo que, por vezes, havia que ensaiar as peripécias que me ocorriam.
A minha irmã foi disso uma vítima frequente, apesar das nossas diferenças de tamanho. Com paciência de santa e uma certa curiosidade por perceber que raio o irmão andava a fazer horas a fio trancado no quarto, lá se predispunha a ser manequim/dupla/ocasional saco de inadvertida pancada. A exactidão de muitos dos combates a dois nos meus livros a ela se deve em grande parte, mas estejam descansados, que nenhuma irmã foi lesionada durante a escrita destas histórias. Nem mesmo eu me magoei, apesar de todos os pulos que dei e posições pouco ortodoxas que ensaiei com espadas empunhadas.
Em suma, sim, gosto de porrada no meu entretenimento, e entusiasma-me planeá-la, visualizá-la e escrevê-la. Se há coisa que mais odeio, seja em que meio narrativo for, é o acumular de tensão dramática que culmina, não numa explosão, mas num suspiro de enfado de quem só quer despachar e seguir em frente. Duelos anti-climáticos, batalhas abreviadas, confrontos resolvidos num par de páginas… mete-me nervos. O que não significa que uma boa história precise de acção, ou que não se pode brincar um pouco com as expectativas dos leitores, nunca afirmaria semelhante coisa. Mas, uma vez montado o enredo para levar a um determinado tipo de resolução, acho sinceramente que fica mal a um autor fazer a coisa pela metade. Como é óbvio, existe o reverso da medalha, e é também possível cair em exageros, tais como a luta do Quenestil contra o Tannath no vulcão (desculpem, não torno a repetir). Mas, para mim, o processo é catártico, e espero que para os leitores também o seja. Por mais que não seja pelo facto de, no que à violência diz respeito, ser preferível lê-la e escrevê-la do que ter de a exercer.