Ao fim de um interregno de nove anos, eu teria gostado de assinalar o regresso a Allaryia noutras condições. De ter podido levar a cabo o meu plano de o comemorar de forma memorável na Comic Con. De ter sido mais agressivo e metódico na preparação para o lançamento, que acabou por ser adiado. De ter podido continuar o meu crescendo promocional, que foi interrompido. De uma série de coisas que acabaram por não se concretizar, ou que tiveram de ser alteradas.
Houve também algum receio à mistura. O de já me ter de alguma forma afastado de Allaryia. De não reconhecer as personagens após uma ausência real de quase dez anos e uma fictícia de vinte. Ou mesmo a possibilidade de a minha actual vida «adulta» de tradutor já não se coadunar com as aventuras no mundo que criei durante a minha adolescência, povoado com personagens que tinham entretanto crescido, mas que não deixavam de fazer parte de um passado remoto e pubescente.
Tudo isso me passou pela cabeça, sobretudo na fase inicial da escrita do manuscrito, que tanto tempo levou a arrancar, e mais ainda a chegar à velocidade de cruzeiro. Fazia tudo parte do plano, dizia eu a mim mesmo; a ideia sempre tinha passado por esperar uns anos e regressar a Allaryia com outra maturidade. Mas teria Allaryia amadurecido também, ou será que eu iria descobrir que tinha só ficado «tocada» ao fim de tanto tempo, com ideias que tinham parecido boas na altura, mas que agora se revelavam apenas parvas?
Felizmente, não foi esse o caso. Modéstia à parte, apesar do já muito discutido «efeito manta de retalhos» do início da saga, percebi que até tinha desenvolvido algumas ideias com pés e cabeça nos anteriores sete volumes. E, à medida que ia escrevendo e me embrenhava novamente no mundo de Allaryia — que, tal como percebi, nunca deixou de ser o meu mundo — fui ficando cada vez mais motivado. Senti que estava a dar início a algo que não teria pejo de colocar ao lado dos títulos mais sonantes da actualidade. O segundo ciclo das Crónicas está a explodir de fantasia, mas tem-na alicerçada em personagens bem «reais» com as quais cresci e que cresceram comigo.
Dito isto, as coisas não deixam de estar muito diferentes agora para mim. Estou noivo e prestes a embarcar numa nova aventura com todo um outro tipo de responsabilidades, e, embora apenas freelancer, não deixo de ser um tradutor com responsabilidades profissionais e uma estabilidade que nunca antes tinha tido. Escrever continua a ser a minha paixão, não imagino que venha a deixar de o ser, e ainda ambiciono acima de tudo o mais poder viver apenas da escrita… mas a diferença é que agora não preciso.
Como se isso não bastasse, tive o desplante de encarar a minha comunidade de leitores — um dos maiores privilégios e bens mais preciosos a que um autor pode aspirar — como um dado adquirido. Deixei de participar no saudoso e incrivelmente activo Fórum Allaryia, e os membros da comunidade acabaram por seguir com as suas vidas. Depois, como sou um tipo idiossincrático que abomina as redes sociais e tem fé numa aplicação que muitos continuam a associar a hackers russos, fico um pouco fora do radar da era digital em que vivemos e torno todo o processo um pouco mais difícil no que à comunicação com novos, possíveis e antigos leitores diz respeito.
Mas sabem que mais? É mesmo assim. É o regresso possível, e o mais importante é que se tenha dado. O livro saiu, vou estar a promovê-lo, o canal do Telegram vai crescendo grão a grão, e tanto Allaryia como eu ainda estamos cá para as curvas. Resta-me esperar que os leitores me perdoem pelo tempo que os fiz esperar, que se deixem encantar novamente pela magia de Allaryia, e que o palavra-passa-palavra faça a sua.