No longínquo ano de 1998, a escrita d’A Manopla de Karasthan prosseguia, não a um ritmo febril, mas com cada vez maior consistência e solidez. Ainda estava muito longe de imaginar que aquilo alguma vez daria um livro, muito menos uma obra publicada, mas nem por isso me sentia menos empolgado a escrever a história.
Como referi na anterior Anamnese, o meu principal impulso criativo era criar um mundo no qual pudesse contar as minhas histórias, e nenhuma outra influência alguma vez se sobrepôs a’O Senhor dos Anéis. Por esta altura, já tinha devorado tudo o que estava ao meu alcance sobre a Terra-Média (como podem imaginar, não se compara ao material que hoje temos disponível), e só isso já me teria dado material e inspiração até ao fim dos meus dias.
Mas, quando menos o esperava, foi-me aberta uma outra janela ao maravilhoso mundo de Tolkien graças a um colega meu da escola, um alemão bastante alto e bastante intimidante que estava um ano à minha frente, vários centímetros acima e muita massa humana além. Todos o tratavam apenas pelo apelido, Schweikart, e a maior parte preferia evitá-lo, porque tinha cara de poucos amigos, era grande, metia medo, vestia-se todo de preto, usava sobretudo de cabedal ao longo do ano inteiro e costumava fazer de segurança nas festas da escola.
Acontece que ele simpatizava comigo porque também eu comecei a andar de sobretudo a dada altura, mas principalmente porque usava t-shirts dos Manowar, que ele adorava. Convivíamos com alguma regularidade, fomos juntos a um concerto da banda, e ele apresentou-me a várias outras de que passei a gostar. Entre essas, destacam-se os Blind Guardian e o álbum Nightfall on Middle-Earth, que relata a história do Silmarillion e me permitiu vivenciar a Terra-Média de uma forma nova e completamente diferente.
Para mim, é o melhor álbum da história da banda e um dos meus favoritos de sempre, com uma melodia, fluidez e unidade de efeito narrativo e musical que se prestam a ser apreciados numa única sessão, em vez de ouvir as faixas individualmente. Os trechos de narração entre as músicas têm valores de produção que, à altura, me impressionaram e estimularam a imaginação, e a minha aparelhagem não descansou ao longo de boa parte do ano, deixando-me a fervilhar de inspiração para dar forma a Allaryia.
Tal como um filme de que gostamos, mas em que nem todas as cenas nos deixam empolgados, Nightfall on Middle-Earth não impressiona do princípio ao fim, e certas músicas podem soar algo desinteressantes quando ouvidas isoladamente. Sempre o achei um álbum que se ouve melhor como um todo, e que escolher esta ou aquela faixa é o equivalente a ler capítulos isolados de um livro.
Dito isto, há sem dúvida umas que impressionam, logo a começar com as portentosas War of Wrath e Into the Storm, fontes de muitas pancadas dos meus pais à porta e gritos de que ainda deitava a casa abaixo com o volume a que as ouvia.
De destacar também a grande balada bárdica Nightfall, que tão bem captura o fatalismo e a tragédia do Silmarillion.
E, para finalizar, embora esta faixa se encontre sensivelmente a meio do álbum, Time Stands Still (At the Iron Hill) é a apoteose musical que melhor sintetiza as raízes speed metal da banda com a evolução sinfónica que fez deles uma das bandas de referência da sua geração.
Espero que tenham gostado, e que alguma destas músicas vos inspire como a mim me inspiraram na altura. Sei que os auscultadores de hoje em dia são bem melhores que os de 1998 e permitem outro tipo de imersão, mas experimentem fazer as vossas paredes vibrar com o álbum, desde que com isso não incomodem ninguém. Pelo menos para mim fazia parte da experiência.