Os excertos que servem de introdução e créditos no Litortura Nacional espicaçaram a curiosidade de alguns leitores que não seguem este espaço assiduamente nem estão no canal Telegram (por que esperam?). Tratam-se de excertos da orquestra de câmara composta pelo Gonçalo Lourenço, maestro magistral e amigo de já longa data, cujas andanças musicais podem acompanhar no Soundcloud e no Facebook.
A história de como nos conhecemos tem a sua piada, de tão surpreendente que foi. Andávamos nós no já incrivelmente distante ano de 2006, ainda não tinha o Vagas de Fogo sido publicado, quando me pus a fantasiar uma adaptação orquestral d’A Manopla de Karasthan. Só porque sim. E, para esse efeito, precisava de um compositor, obviamente. Ou, melhor ainda, um compositor e maestro.
Para isso, nada como vasculhar a internet, começando pela base de dados The Living Composers Project, cuja secção portuguesa esquadrinhei. Procurando um compositor que se enquadrasse no perfil que eu imaginava a encabeçar tão bizarro e indefinido projecto, o que acabou por pesar na minha escolha foi a relativa juventude de um tal Gonçalo Lourenço, que tinha composto arranjos orquestrais, encabeçava dois grupos musicais e tinha sido o autor de uma peça para um maestro islandês. Ora quem me conhece sabe que tenho um fraquinho com a Islândia, por isso pareceu-me obra do destino e achei por bem contactar o Gonçalo.
Para grande surpresa minha, ele não só conhecia a minha obra, como até gostava bastante dela e acompanhava-a fielmente. Nos primeiros contactos, ainda não nos tuteávamos, mas tornou-se logo claro que havia ali afinidade. Mesmo quando ele me fez saber logo à partida que a minha explicação do projecto tinha deixado algo a desejar.
Eu gostaria de saber o que o Filipe tem em mente. Digo-lhe isto porque está a utilizar termos musicais que são contraditórios. Eu passo a explicar. Está a falar de uma peça sinfónica e depois fala-me de coro. Uma peça sinfónica pode ter um coro, mas um coro nunca pode ser denominado como sinfónico, mas sim como coral, porque uma peça sinfónica tem orquestra e uma peça coral não tem orquestra, sendo assim chamada peça “a cappella”, ou seja, sem instrumentos que apoiem o coro. O que eu queria saber é se o Filipe quer uma peça para coro, ou para coro e orquestra.
Gonçalo Lourenço – 06/03/06
Uma vez esclarecidos esses pormenores terminológicos, seguiram-se anos de tentativas de requisições de recinto em fundações e teatros, bem como reuniões em Delegações Regionais do IPJ para conseguir apoios para o projecto. Conheci boas pessoas com igualmente boa vontade, e a experiência foi interessante, mas acabou por não dar em nada. Não foi senão quatro anos mais tarde, antes da publicação do Oblívio, que uma confluência de factores permitiu a gravação e produção da tão almejada peça, que acabou por ser convertida numa compilação musical dos sete volumes e lançada como parte da Edição de Luxo do Oblívio.
Ah, e para quem possa ter interesse, a Presença ainda tem em estoque uns exemplares da dita Edição de Luxo do Oblívio, que contém o CD com a orquestra completa, bem como uma edição em capa dura do Oblívio e Segredos do Cronoscópio, um livrete com fac-símiles de apontamentos e um olhar «por detrás dos bastidores» à concepção de Allaryia.