Já diz o célebre aforismo que «quem sabe, faz; quem não faz, ensina», sendo que alguém achou por bem acrescentar-lhe «quem não ensina, critica». Ora, como não ando a fazer, não tenho perfil para ensinar, nem hábito de criticar em público, achei melhor acrescentar o quarto elemento «e quem não critica, pratica». E a melhor prática para a escrita é a leitura.
Ora, uma vez que continuo em pleno marasmo criativo, sem que grande coisa saia sempre que tento escrever, tenho lido bastante. Porque ler é a melhor prática para a escrita, seja para aprender novas palavras, ver como outros o fazem, expor-nos a outras narrativas e amolar a logofícia (palavra que acabo de inventar para «artifício das palavras»).
Ora, como certas rubricas deste pequeno canto da Internet o poderão dar a entender, as palavras são e sempre foram muito importantes para mim. Como muitas outras crianças o fazem, nunca deixei que a minha dicção limitada me circunscrevesse o uso das palavras (nem que para isso tivesse de dizer botocarro ou botoclismo) e gostava de as inventar ao sabor da necessidade de definir conceitos de uma imaginação infantil (como açovibranhoferro, o metal mais duro do mundo). Mais tarde, já com idade para ter juízo, como o vocabulário moderno não me permitia articular as fantasias inspiradas em tempos passados, comecei a ler clássicos com léxico mais, digamos, rebuscado.
Esse hábito mantém-se até aos dias de hoje, e, consoante a história, por vezes dá-me mais prazer consultar no fim as palavras que sublinhei durante a leitura do que a leitura propriamente dita. Falo a sério, aprender palavras é algo que me aquece por dentro e me dá uma sensação de progresso, como estar a posar diante do espelho e ver as alterações no corpo após uma semana a ir ao ginásio. É como se as peças de um qualquer quebra-cabeças universal se tornassem mais nítidas, e o seu encaixe se evidenciasse mais na minha mente. E é isso o que está a acontecer durante a leitura de O Homem Que Matou o Diabo, de Aquilino Ribeiro, um dos meus autores portugueses favoritos, cujas obras ando a reler por não ter sabido apreciá-las devidamente na altura.
Imagino que, para alguns, a ideia de sublinhar um livro pareça herética, e para o «comum» dos autores basta-me apontar uma ou outra palavra no telemóvel enquanto leio. Mas, no caso de Aquilino Ribeiro, sublinhar é praticamente uma necessidade, como podem ver. Agora, se me dão licença, fiquei entusiasmado e vou praticar mais um pouco, consultando algumas das palavras que apontei no telemóvel quando, certa tarde, fui ler sem uma caneta à mão.