Esta sessão na Feira do Livro foi diferente. Todas o são, obviamente, mas esta teve algo de mais diferente, mais ainda do que a primeira de sempre, e aquela em que assinalei o fim do Ciclo I com o Oblívio e que serviu de retrospectiva. Houve nela uma certa sensação de finalidade, tanto ao falar com leitores de longa data, como com novos leitores e com aqueles que pela primeira vez vieram falar comigo, isto apesar de o lançamento d’A Última Crónica ainda estar longe.
Até certo ponto, é normal que assim seja. Tenho bem presente todos os dias que, com este décimo volume, a saga vai acabar. Mesmo. Não vai ser um interregno. Não vai ser um pretexto para revisitar os companheiros quando eles já tiverem netos. Nem sequer uma desculpa para ramificar a história e explorar outras paisagens a lidar com o rescaldo do último capítulo da literal e figurativa Última Crónica. Vou regressar a Allaryia no futuro, sim, mas dos companheiros restarão apenas as lendas dos seus feitos e façanhas, e será um mundo (mais) diferente (ainda) quando isso acontecer.
Não haverá mais pontas de língua a lamberem incisivos salientes em reflexão. Nem picardias inflamadas por tensão sexual latente entre eahan e eahanoir. Nem sequer um eco de um «pedras me partam» a guiar uma princesa rebelde. Será apenas um mundo fantasioso a ressumbrar mais fantasia ainda, mas sem o toque humano (ou eahan, burrik, thuragar e antroleo) que os leitores e eu tão bem viemos a conhecer e que para nós se tornou quase pessoal. Será um toque diferente, por enquanto desconhecido, e que muito dificilmente terá ocasião de ser regular, visto que não faço tenções de escrever outra saga passada em Allaryia, ficando-me por aventuras soltas e autónomas.
No fundo, é essa a palavra de ordem: diferente. E o que é diferente muitas vezes pode suscitar apreensão, desconfiança ou mesmo medo, que acaba por ser o misto de sentimentos que me passa pela alma neste momento. E é nesta altura mais turbulenta que eu me agarro àquilo que nunca verdadeiramente mudou e que se tem mantido como um porto seguro de solidez no qual recupero sempre forças e alento: vocês, os leitores.
Quem diz algo assim não tem como não parecer estar a tentar agradar ao público ou a fazer demagogia literária barata, pelo que vos posso apenas pedir que acreditem quando digo que estou a ser sincero. Tão sincero quanto pode ser um bicho-do-mato em perpétua remissão que foi aprendendo a dar valor a quem partilha os mundos que ele criou. Aos breves momentos de amena cavaqueira em feiras e sessões que deram em amizades duradouras. Às mães que ligam aos filhos para eu os informar de que existe um Ciclo II. Aos identificadores falsos que se criam no Instagram para enfatizar o facto de eu não ter redes sociais. Às revelações de técnicas e registos de leitura de pessoas com pouco tempo que gostam de ler calhamaços. Às caras conhecidas (desculpa, Margarida) cujo nome passo a repetida vergonha de esquecer (desculpa, Laura) numa base anual (desculpa, rapaz cujo nome já esqueci outra vez). Tudo isso e muito mais.
Não vou mentir e dizer que, sem os meus leitores, nunca o teria conseguido, mas obviamente nunca aqui estaria nesta posição. Vocês são os companheiros de uma Allaryia que vai para além dos livros, uma rocha sólida na tormenta que é o percurso de um escritor, e por isso vos agradeço. Faço-o com palavras e espero com toda a veemência poder fazê-lo também com histórias que mereçam o vosso interesse e paixão.
Obrigado.