A minha escrita foi evoluindo com o passar dos anos, mas outra coisa que mudou foi a forma como eu vivencio as cenas que escrevo. E este último aspecto não tem directamente que ver com a idade ou com a experiência, mas sim com o facto de que, antes, eu sonhava acordado com as cenas, e agora faço-o bastante menos.
Como já por várias vezes descrevi, Allaryia passou por um processo de maturação antes de eu ter começado a escrever, sensivelmente entre os meus 12 e os 16 anos. Durante esse período, as cenas mais marcantes do primeiro ciclo das Crónicas foram amoladas, depuradas e retocadas – repeti-as até à exaustão na minha cabeça, ansiando depois durante o processo de escrita para chegar a elas e poder finalmente escrevê-las, e isso deixou nelas impresso um cunho emocional que não passa despercebido ao leitor. Um cunho que, hoje, dificilmente consigo reproduzir.
Tal não está directamente relacionado com a idade, mas indirectamente sim, porque nos dias que correm é-me muito mais difícil ter o espaço e a disponibilidade mentais para sonhar acordado. Há a fase de concepção, passiva, em que as ideias surgem; o processo de ideação, activo e passivo, em que as desenvolvo; e o de estruturação, inteiramente activo, em que organizo tudo num todo coeso. É quanto basta para escrever um livro, mas, às vezes, nos momentos mais melancólicos que antecedem o fim de uma saga, questiono-me se será o suficiente para marcar uma geração de leitores como o primeiro ciclo o fez.
Não estou com isto a tentar preparar-vos para um derradeiro capítulo inferior aos outros, mas sim a pensar alto e a registar por escrito mais um porquê de a escrita d’A Última Crónica estar a ser a modos que complicada. Já o foi n’A Oitava Era e n’A Era da Ruína, mas agora sinto-o com mais força ainda. Quase se diria que as próprias personagens não querem que a história acabe e estejam a tentar ocultar-me os seus pensamentos e emoções, só para dificultar o processo.
Enfim, compreensível. Vai ser realmente o fim de uma era, como não me canso de frisar. O maior desafio, além de efectivamente concluir o livro, vai ser certificar-me de que ele é recordado pelos melhores motivos, e que as personagens perdurarão através do seu legado que esta história rematará. E, como já não me posso fiar no processo de sonhar acordado, sou neste momento o equivalente literário a um treinador de uma equipa de futebol: tenho um plano de jogo bem definido e só posso esperar que os jogadores tenham os rasgos de inspiração necessários para que ele funcione.