O Berço e a Ponte – Parte 2

Já por várias vezes expressei o meu apreço pelo Minho, e esta nova visita não foi excepção. Fui novamente muito bem recebido e generosamente alimentado, como só as gentes dessa região o sabem fazer. Além disso, o calor granítico que se fez sentir em Guimarães levou a que a minha esposa se sentisse mais ainda em casa (Mostar é ridiculamente quente, como julgo já ter referido) e ajudou mais ainda à ambientação e criação de ambiente para o jogo do Vitória contra o Zrinjski.

Guimarães faz-se muito bem a pé, e chegar ao estádio foi fácil, pelo que optámos por ir bater terreno. Como chegámos relativamente cedo, fui perguntando aos seguranças por que porta os visitantes entrariam, só para assistirmos à chegada deles, e fomos encaminhados para a entrada em questão. Um segurança muito simpático e solícito achou piada à nossa história, foi metendo conversa e, a alturas tantas, perguntou se gostaríamos de entrar com os adeptos visitantes. Ora, entre passar o jogo na bancada superior para a qual tinha bilhetes (de custo superior, note-se) e em segurança entre os meus conterrâneos, ou entrar na autêntica «jaula» que é a secção dos visitantes com hooligans herzegovinos, a resposta só podia ser uma: sim.

O simpático segurança foi falar com colegas, mas, apesar de toda a boa vontade, viu o caso mal parado. Até que surgiu um responsável do clube que, não menos simpático, proferiu palavras assertivas através do walkie-talkie e nos encaminhou até à temida Porta da Jaula (nome não-oficial), onde os nossos bilhetes foram destruídos e fomos revistados como se a minha esposa levasse petardos na carteira. E então entrámos, misericordiosamente abrigados do sol à sombra da Jaula, que tivemos por nossa inteira conta enquanto o resto do estádio enchia e os visitantes eram escoltados por polícia de choque tão ou mais numerosa do que eles (não deviam ser muito mais de cinquenta, se tanto).

Enquanto aguardámos, o treinador-adjunto do Zrinjski (marido da prima da minha esposa) avistou-nos do relvado e veio trocar dois dedos de conversa connosco através da barreira de acrílico. Ao que parecia, não ia sequer ter tempo para um copo mais tarde, porque assim que o jogo acabasse, iam logo pôr-se dali a andar para o Porto para darem início a uma viagem Marselha-Dubrovnik, onde os aguardava um autocarro que os deixaria em Mostar por volta das quatro da matina da madrugada de quinta-feira, para irem doar sangue na manhã seguinte. Porque a vida nos Balcãs é assim.

Entretanto, foram chegando os temidos Ultras Mostar, de entre os quais a minha esposa reconheceu colegas de escola, um antigo pretendente e um primo. Não houve lugar a grande conversa, porém, porque quase todos estavam inteiramente focados na sua missão de fazer valer os parcos números e fazerem o maior ruído possível em apoio à sua equipa. Só um ou outro apoiante menos intenso veio falar connosco, fazendo todos questão de me assegurar que tinha encontrado «o melhor tipo de esposa possível»; tudo gente pachola que rapidamente esgotou a cerveja com álcool, passando daí para a água (oferecendo-nos até alguma) e daí para encher garrafas vazias nas torneiras da casa de banho. As senhoras da banca das bebidas pareciam bem impressionadas com o porte físico de alguns espécimes e disseram que, apesar das histórias de horror que deles ouviram, todos se portavam como «bons moços».

Bons moços a fazerem-se ouvir alto e bom som
Uma boa moça entre bons moços

A história do jogo propriamente dito foi bem mais linear do que este relato divagante, com uns expressivos 3-0 no marcador (incluindo um tento do «traidor» Borevković, que a minha sogra renegou enquanto croata) a ditarem uma vitória inequívoca do clube epónimo. Não ficaram dúvidas quanto à diferença de qualidade e de entrosamento entre ambas as equipas, mas os adeptos do Zrinjski foram incansáveis ao longo dos 90 minutos e, apesar dos reduzidíssimos números, calaram o estádio durante boa parte deles, sem nunca causarem problemas ou faltarem ao respeito aos da casa.

Em suma, um dia bem passado e uma oportunidade única de fazer a minha esposa sentir-se um pouco mais em casa, apesar de ter a sua equipa a jogar fora. Para rematar, vem bem a propósito um dos lemas do clube: ova se ljubav ne može ogradit!