«Muro», chamavam-lhe. Éramos pequenos, na altura, e em boa verdade nem sei bem o que chamar a isto (manjedoura cubista…?), mas hoje parece ridículo que lhe tenhamos chamado «muro». Até porque havia mais do que um à beira da piscina, e não formavam uma barreira contígua, mas nada disso importava. Chamavam-lhe o «Muro», e era conhecido por ser um dos lugares de eleição de um aluno estranho da Escola Alemã de Lisboa.
«Aquele gajo que anda em cima do muro?», respondiam sempre que alguém falava de mim a quem não me conhecia. Alguns acrescentavam descrições menos simpáticas – e, em abono da verdade, eu realmente fui um puto esquisito durante o segundo e boa parte do terceiro ciclo – mas o essencial e a principal referência era eu ser o rapaz que andava em cima do «Muro» durante os intervalos. Nem sempre, mas vezes as suficientes para chamar a atenção.
E o que fazia eu, andando repetidamente ao longo de um recipiente em cima do qual, hoje, consigo dar pouco mais do que um passo nas bordas oblongas? Elaborava as fantasias que nasciam nas salas de aulas, ou que trazia de casa para as viver com gestos e ruídos que a maior parte dos meus colegas certamente achavam perturbadores. Volta após volta após volta, as cenas que viriam a tornar-se capítulos d’A Manopla de Karasthan e incontáveis outras aventuras foram vividas n’o Muro. E, ainda que não tenha feito muito pela minha reputação nesses anos, felizmente pude colher os frutos mais tarde.
A foto acima foi tirada hoje, por ocasião de uma Oktoberfest na escola, e foi reconfortante à sua maneira ver como esta peça continua ali a cumprir a sua nada estética função, sem que ninguém sequer desconfie que já foi uma autêntica passadeira de criatividade. É como um segredo que eu e ela partilhamos, como se apenas eu conhecesse o seu alter ego e fosse o único capaz de a ver pelo que ela realmente foi e pode ser.
Mais reconfortante ainda, contudo, é imaginar que talvez outros andem em cima dela. Se existirem, provavelmente nunca os conhecerei, mas faço votos para que nunca tenham vergonha de sonhar. Porque, ainda que muros separem e dividam, às vezes não há nada como caminhar ao longo deles, porque isso nos permite ter a perspectiva de dois mundos.