A saga de uma capa

Hoje em dia pode parecer difícil de acreditar, tendo em conta o novo estilo de capas mais «comercial» que foi adoptado para as Crónicas, mas arranjar a capa para A Manopla de Karasthan foi uma autêntica saga.

Tudo começou ainda antes de eu ter vencido o Prémio Branquinho da Fonseca. Já nessa altura deambulava pela internet em busca de um possível artista para um livro que seria putativamente publicado no futuro, tentando encontrar alguém português para o fazer, já agora. E deparei com uns rabiscos impressionantes de um tal Samuel Santos, de entre os quais se destacava o esboço que ele fizera para os Bal-Sagoth, uma banda britânica de black metal sinfónico.

Não tardei a entrar em contacto, o Samuel achou piada à minha abordagem (acho) e ficou combinado que tornaríamos a entrar em contacto quando eu tivesse algo de mais sólido para apresentar. Uns amigos meus, que na altura acompanhavam bem de perto os desenvolvimentos da saga de fantasia que começava lentamente a tornar-se real, ficaram impressionados com a arte do Samuel, e mais impressionados ainda ficaram quando ele me enviou a icónica interpretação dele do Aewyre, que passou a ser a minha.

Porém, algo de estranho sucedeu. O Samuel tornou-se incontactável a dada altura e pareceu ter desaparecido de circulação. Ainda estávamos longe da era das redes sociais, e como não tínhamos chegado a trocar contactos telefónicos, tive de o dar por «perdido» após vários e-mails sem resposta. Já se preparava A Manopla de Karasthan para publicação, e urgia encontrar um artista, pelo que cheguei ao ponto de imprimir o desenho do Aewyre e colocar anúncios na escola do meu irmão, na esperança de que surgisse algum. E até houve um rapaz que entrou em contacto comigo, mas o estilo dele não se adequava de todo ao que eu tinha em mente. Assim, como começava a urgir mesmo encontrar um artista, pus-me com veleidades e pensei, olha, porque não, siga abordar o Todd Lockwood.

Para quem não sabe, o Todd Lockwood foi um dos artistas que redefiniram Dungeons & Dragons visualmente quando foi lançada a terceira edição do jogo, altura em que a popularidade deste tornou a explodir pelo mundo fora. O homem estava no pico da carreira e no auge da sua produção artística, por isso não tenho como o culpar pela resposta menos entusiasmada dele ao meu e-mail, em que listou uma série de requisitos, entre as quais um resumo de cada capítulo para que ele pudesse decidir qual deles usar para a capa.

Como isso não era praticável, agradeci e abordei então um outro artista cuja arte também tinha cunhado Dungeons & Dragons, o Matt Stawicki, que foi de uma simpatia e acessibilidade que ainda hoje lhe elogio, e se predispôs a ser o artista da capa de um autor português que ainda nem nome tinha. Não se comprometeu de imediato, mas listou as suas condições e pediu-me apenas que o avisasse antecipadamente para que ele pudesse encaixar a Manopla no seu calendário de produção.

Havia apenas um senão, que era o facto de a remuneração do Matt Stawicki estar consideravelmente acima do que se tinha por hábito pagar por cá em Portugal, mesmo na altura de vacas gordas que se vivia. A Presença discutiu o assunto internamente, dando-me a entender que teria provavelmente de haver alguma cedência da minha parte, algo a que me predispus, e o assunto ficou assim encaminhado.

Durante esse processo de decisão da Presença, qual não é o meu espanto quando, absolutamente do nada, deparo com nova arte do Samuel numa galeria de cujo nome já nem me lembro, até porque na altura eu as esquadrinhava a todas, tanto em busca de artistas como de inspiração visual. Mandei-lhe imediatamente mensagem para o novo e-mail, e houve muito júbilo e regozijo: ele tinha tido uns problemas de saúde e trocado de e-mail entretanto, mas estava de volta ao activo e ficou muito contente ao saber que a Manopla ia efectivamente ser publicada.

Nisto, a Presença contacta-me, dizendo que estavam dispostos a contratar os serviços do Matt Stawicki, mas que teria de haver um ajuste no meu adiantamento. Provavelmente até teria aceitado, mas como o Samuel tinha ressurgido, limitei-me a dar-lhes a boa notícia e acho que ficaram aliviados. Tratei de comunicar o sucedido ao Matt Stawicki, que manteve o registo de elegância e compreensão, e o resto é uma história em que o Samuel se tornou um amigo e cunhou no imaginário de toda uma geração de leitores a imagem dos companheiros.