Estou velho

E já nem dá para fingir que não sinto. A fornalha interna que era o meu hipotálamo, que me permitiu sobreviver ao inverno islandês e herzegovino, escovando o cheiro a tabaco do meu cabelo com um manelo de neve às 4 da manhã com uma temperatura de -25 ºC, já não funciona como dantes. Já tenho de usar pantufinhas quando passo muito tempo sentado a escrever durante os meses mais frios, e pela primeira vez na minha vida dou comigo a usar um robe em casa quando a temperatura arrefece mais. Para isso muito contribui a actual falta de cabelo, claro, mas sinto que algo mudou mesmo a nível metabólico.

E, como não podia deixar de ser, isso estende-se a vários outros aspectos. Quando o corpo nos começa a dar sinais de abrandamento, é natural que fiquemos mais ponderados e que pensemos mais no futuro. Como menos, para alguém cujo físico sempre contradisse de forma quase caricata o seu apetite, embora a minha mulher continue a chamar-me carinhosamente «porco» quando rapo a segunda (ou terceira) dose do prato. E já há uma denotada diferença quando falo com malta mais nova em apresentações ou palestras – e ainda bem que assim o é, que o contrário é que seria estranho – mas já não há como negar a falta de um referencial cultural. Ainda dá para dar a volta à situação e tornar o evento proveitoso para ambas as partes, mas tentar transpor essa desconexão em vez de lidar com ela já me faz sentir como o Steve Buscemi naquela sua célebre cena.

A parte boa disto tudo, pelo menos a nível autorial, é que está tudo a correr conforme planeado. A ideia sempre foi regressar a Allaryia, se não literalmente vinte anos mais tarde, então pelo menos com a idade das personagens. E isso está a reflectir-se a toda a linha no enredo d’A Última Crónica, devido à menor impulsividade, ao facto de a violência já não ser o primeiro recurso muitas das vezes, e as preocupações já não passarem tanto pelo imediato e pelo que as emoções exigem.

Dito isto, que não se preocupem os fãs da acção, que ainda haverá bastante dessa, como o clímax das Crónicas o exige. Lá porque se é velho e se pensa mais se vale ou não a pena partir para a batatada, não significa que já não se seja capaz de distribuir fruta…