«Nada se perde, tudo se transforma», como diz o outro, e isso aplica-se também às ideias. Já perdi a conta às que reciclei, reaproveitei e readaptei, por vezes entre volumes, às vezes no mesmo livro, ocasionalmente de uma série para a outra. Não tinha memória de qualquer ideia abandonada em definitivo, que eu pudesse dizer de forma taxativa e com toda a certeza que não iria aproveitar. Mas, ao fim de mais de duas décadas nestas andanças, encontrei-a por fim.
Tal como anteriormente referi, a minha estadia em Mostar serviu para rever os volumes anteriores das Crónicas. Chegado à Essência da Lâmina, no capítulo V Um Sinal Ominoso, eis senão quando deparo com uma ideia da qual já nem me lembrava. Quando a Lhiannah, o Worick e o Taislin estão a viajar de barco para Ul-Thoryn com o corpo de Aezrel, dão com uma aldeia tanarchiana cuja população foi massacrada por uns agressores vindos do mar. Os responsáveis não foram revelados, mas ficou a pairar no ar uma aura de mistério, sobretudo após a descoberta de uma flecha com haste oca que, pela descrição, os mais entendidos na matéria saberiam identificar como bambu.
Ao ler esse capítulo, caiu-me a ficha que, originalmente, eu quisera acrescentar mais um elemento ao rol de ameaças que os companheiros enfrentariam, na forma de uma invasão de outro continente, este de inspiração indostânica. Em nada estaria relacionado com O Flagelo ou com os Filhos do Caos, nem tenho presente quaisquer outros detalhes além da presença de elefantes na futura hoste invasora. Foi claramente uma ideia embrionária que não desenvolvi e que acabei por abandonar ou simplesmente esquecer — e, em retrospectiva, ainda bem que o fiz, porque realmente não vejo o que ela de bom teria adicionado à história além de tornar tudo mais confuso e difícil de gerir.
Curiosamente, embora não tenha sido transformada pelo simples facto de em nada estar relacionada com o ataque à aldeia tanarchiana, a ideia acabou por sobreviver de certa forma, através de uma referência no Epílogo do Oblívio, que refere que «uma misteriosa frota aproximava-se». Nessa altura, já tinha concebido a vinda de Tayğatar e da Áugure no Ciclo II, mas não deixa de ser curioso que, ainda que inconscientemente, eu tenha deixado em aberto a possibilidade de voltar a pegar num detalhe do qual só os leitores mais atentos ainda se lembrariam…