Ao longo da minha carreira de autor, acumulei alguns arrependimentos. Ter encarado a comunidade do Fórum Crónicas de Allaryia como um dado adquirido, por exemplo, ou a transição trapalhona das ditas Crónicas para o Felizes Viveram Uma Vez. Houve várias portas abertas cujo limiar não transpus, e janelas escancaradas pelas quais nem espreitei, e embora seja certo que muitas não passavam de momentos de «faço e aconteço» da parte de pessoas bem-intencionadas, mas sem grande noção daquilo em que se estavam a meter, houve outras que podiam realmente ter dado em algo.
Uma delas proveio do marido de uma fã dos meus livros, que fez questão de me conhecer quando fui a uma apresentação na cidade em que residiam. Nasceu logo dali uma relação de amizade que ainda hoje se mantém, e só por isso já valeu a pena termo-nos conhecido, mas o casal tinha uma meta bem mais ambiciosa e totalmente desinteressada, que foi parte do que neles me fascinou enquanto pessoas. Ele é luso-americano e um mestre de artes marciais internacionalmente reconhecido, e uma das pessoas que conhecia (e em tempos tinha treinado) era uma produtora norte-americana, que fez questão de me apresentar quando ela certo dia veio de visita a Lisboa.
Passámos uma tarde muito agradável, e criou-se de facto uma certa afinidade nesse dia, ao qual acresceu aquela que realmente me pareceu ser genuína curiosidade pela minha obra. Tanto, que a senhora efectivamente entrou em contacto com a Presença uns tempos depois:

Porque é que isto não deu em nada? Provavelmente por mais motivos que aqueles dos quais me dei conta. Mas maioritariamente porque a senhora infelizmente faleceu de cancro uns anos mais tarde (paz à sua alma), e porque, antes da morte infeliz e prematura dela, eu me julgava demasiado importante para estar a traduzir os meus próprios livros em vez de me dedicar apenas à escrita, da qual na altura eu de facto ganhava a vida. Assim, fui traduzindo o livro a passo de caracol, convencido de que teria todo o tempo do mundo, mas aquilo não era de facto algo que eu me imaginasse a fazer em vez de escrever. Mal imaginava eu que, anos mais tarde, a tradução viria a tornar-se a minha principal actividade a nível financeiro.
O que poderia ter sido? Nunca o saberemos. Mas houve de facto algo que disto nasceu: a edição do 10.º aniversário d’A Manopla de Karasthan desenvolveu-se anos mais tarde com base no início da tradução e resumo do enredo que fiz para enviar como amostra à produtora. E foi essa tradução embrionária, a par de outras que fui fazendo meio na desportiva, o que me deu a estaleca necessária para hoje me poder dedicar a essa actividade.
Enfim, enfatizava eu duas entradas atrás que nada se perde e tudo se transforma, mas não é bem verdade. Oportunidades perdem-se, sim, e por vezes é a perda delas que nos transforma a nós.