No inverno de 1477, Berardo de Varatojo, padre franciscano estigmatizado, viaja para a distante Thule (Islândia) em busca de respostas para a sua crise de fé. Contudo, acaba raptado por desconhecidos antes de as conseguir encontrar, e os seus captores afirmam ser deuses, os sete destinados a sobreviver a um Crepúsculo dos Deuses de que nunca ouvira falar. Aqueles que Berardo toma por feiticeiros pagãos confessam-se numa encruzilhada, culpando o Deus cristão pelo seu dilema, e, segundo eles, o franciscano é precisamente a chave para a sua salvação, embora ele não consiga sequer conceber como.
Porém, essa é a menor das preocupações de Berardo, que se vê constantemente atormentado por visões e pesadelos de uma era antiga… E os seus captores não foram os únicos sobreviventes do Crepúsculo dos Deuses. Um mal antigo persegue-os até às entranhas fogosas de Thule, onde deuses e crenças se confrontarão, e onde Berardo terá de pôr cobro a uma disputa imemorial, com o destino da própria Humanidade em jogo.
Em 2005, comecei um projecto de BD com o Manuel Morgado, que não deu em nada e que, por culpa minha, em nada poderia dar, e que passou mais tempo na gaveta que o que é saudável para qualquer ideia com pés e cabeça. Anos mais tarde, pedi desculpa ao Manuel pela minha tremenda falha e ele, na sua benevolência, motivou-me a pegar novamente no projecto e concluir o argumento.
Mas publicar uma obra de BD em Portugal ou no estrangeiro nunca é empreitada de pouca monta. Por sorte, uma conjunção de factores pôs na mesa a possibilidade de eu publicar o projecto em formato de romance pela Presença, o que serviria não só para levar a bom porto uma história que, coitada, já há quase dez anos ansiava por ser contada, mas também como possível plataforma para reforçar o mérito do projecto numa futura adaptação. Conversei com o Manuel, que apoiou a ideia, e lancei-me então ao trabalho de reescrever o argumento em formato BD para a sempre mais detalhada e (espero) escorreita prosa de um romance.
Após apreciação, o livro foi considerado «complicado» por várias pessoas na minha editora. O título era mais assustador ainda que Allaryias e Karasthans, a estrutura ainda acusava muito da conversão de um argumento de BD, e o registo, à falta de palavra melhor, era uma dor de cabeça para ler em certas partes. Aceitei todas as críticas, até porque tinha bem presente que, ainda que a nível subconsciente, provavelmente escrevera sob a assunção de que teria o suporte visual de desenhos. Isto, claro está, para além do registo algo rebuscado pelo qual já sou de qualquer forma conhecido/infame.
De volta ao estirador, consegui desapegar-me ao título Endurvakning, cuja sombra pairara sobre o projecto durante dez anos, e fiquei-me pelo bem mais legível A Alvorada dos Deuses, que, para meu alívio, reuniu consenso imediato na Presença. O processo de reescrita foi um pouco mais moroso, e diversifiquei o meu lote de leitores beta para melhor poder apurar as falhas daquele que ia claramente ser o livro mais, bem, diferente que eu alguma vez escrevera («então e a Leopoldina?», perguntarão alguns, que eu ignorarei de forma ostensiva).
Felizmente, tudo correu pelo melhor, o livro foi aprovado e, ao cabo de uma odisseia de uma década – uma autêntica saga de ambição, crença e perdão que em tanto e a tantos níveis se assemelhou à história que ambicionava contar – Endurvakning, o Renascimento, renasceria na forma da Alvorada dos Deuses.